“Não ria!”, J.R.R Tolkien pede em uma carta a um amigo. A correspondência é sobre as ideias do autor para algo que iria se tornar O Silmarillion (um dos meus livros favoritos da vida). Eu amo ler sobre grandes artistas tateando em seus trabalhos. 

A carta de Tolkien começa com um sentimento com o qual muitos vão se identificar: se empolgar com alguma coisa, mas tentar não passar horas falando sobre aquilo para não incomodar o outro. Quem nunca? Tolkien escreve:

“Você pediu um breve esboço do meu material que está relacionado com meu mundo imaginário. É difícil dizer qualquer coisa sem dizer demais: a tentativa de dizer algumas poucas palavras abre uma comporta de entusiasmo, o egoísta e artista imediatamente deseja dizer como o material cresceu, como ele é e o que pretende ou está tentando representar com tal material”.

Minha “compota de entusiasmo” é gigantesca! É meio Tapacurá que pode romper a qualquer momento. 

Em outro trecho da carta, Tolkien fala sobre o trabalhão que ele está tendo com as nomenclaturas em seus mundos e como tudo tem que estar coerente com as línguas que ele criou. Ele comenta como esse rigor pode não parecer muito necessário para outros artistas, mas para ele, sim. 

“Nem todos considerarão isso tão importante quanto eu, visto que sou amaldiçoado com uma aguda sensibilidade em tais assuntos”.

Acho que qualquer artista sente-se “amaldiçoado” com uma sensibilidade que outras pessoas não entendem. Eu abri um sorriso lendo esse trecho porque gosto de colocar muita energia em ideias que não pareço estar dividindo com ninguém. Passei a chamar de “as minhas coisinhas” o conjunto de paixões que eu cultivo: livros, ideias, autores, conceitos, perguntas…

Por outro lado, também sindo que minha energia apaixonada tapacuresca é maior do que eu. Não acho que eu escolho focar um grande entusiasmo em algum projeto porque ele faz muito sentido. A ideia vem e pronto. Na verdade, sempre acho que a ideia é maior do que tudo. Gosto de obcecar por um assunto e estudá-lo com afinco. Mas o meu apego não é em mim ou no que eu posso produzir com esse estudo. O apego é pela ideia em sim. Mesmo quando eu amo a minha própria sacada, é a sacada que tá fazendo todo o trabalho, não eu. Não sinto aquela coisa de “olhe para mim sendo tão inteligente com essa ideia incrível”. É mais um sentimento de “olha para essa ideia que coisa mais maravilhosa”. 

Tolkien fala algo parecido sobre suas criações:

“É claro que uma proposta pretensiosa como essa não se desenvolveu de uma só vez. As próprias histórias eram o ponto principal. Elas surgiam em minha mente como coisas “deter- minadas” e, conforme vinham, separadamente, assim também cresciam os elos.(…) Sempre tive a sensação de registrar o que já estava “lá” em algum lugar, não de “inventar”.”

“Mesmo à parte das necessidades da vida, a mente voava para o polo oposto e desdobrava-se sobre a linguística”. 

Um detalhe interessante é que Tolkien se propoe a enviar ao amigo apenas um resumo das principais ideias contidas no Silmarillion. Quem já leu sabe que o livro é uma mistura de Bíblia com cartilha de História dos povos, mundos e línguas criadas pelo autor. Parece um pouco otimista o autor achar que conseguiria explicar isso tudo em poucas palavras. Não conseguiu mesmo. Na edição da Harper Collins em português, a carta ao amigo (já “datilografada” e editada) tem nove páginas.  

Toda esse história me lembrou de quando Machado de Assis pediu para a gente dizer se ele era mesmo um bom escritor

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