Eu ri alto no meio do shopping quando a minha amiga reclamou muito séria, “você sabe que todo mundo lê ignorante”. Nós somos jornalistas, pagamos cadeiras de teoria da comunicação e lá estava ela simplificando tudo em uma só bronca.

Eu tinha contado para Karlilete (Karlilian Magalhães, comunicóloga ambientalista fantástica) sobre uma troca de mensagens atravessada que eu tinha tido pelo Whatsapp alguns dias antes. Ela argumentava que eu estava errada porque, lendo textos escritos em uma tela, o receptor sempre tende a interpretar as palavras de forma agressiva. Algo que dito pessoalmente poderia ser inofensivo, fica automaticamente grosseiro se for escrito. Karlilian estava exagerando, claro, mas a ideia dela faz sentido e você já deve ter percebido isso na prática.

Carolina Falcão é também jornalista e minha amiga da faculdade. Recentemente, ela me deu uma aula sobre as teorias da comunicação que explicam porque temos dificuldade de nos entender direitinho por apps de texto.

O outro vai entender o que ele pensa, não o que você quis dizer

Falhas no entendimento costumavam ser chamadas de “ruído na comunicação”. Carol começa explicando que essa é uma ideia ultrapassada. Assim como a estruturação de uma conversa (ou qualquer produto de comunicação) em “emissor enviando uma mensagem para um receptor”.

“Se a gente pensar que os esquemas de comunicação lidam com a ideia de que existe um emissor, uma mensagem e um receptor, o ruído é justamente quando a mensagem escapa de um sentido ou de um efeito de sentido que estava previsto. Qual é a crítica ao conceito de ruído? A crítica, feita principalmente a partir dos estudos culturais, é sobre a ideia de que existe algum controle do emissor sobre o sentido da mensagem”.

Ou seja, qualquer comunicação é, na verdade, algo bem mais amplo do que emissor – mensagem – receptor. Tudo o que é dito passa pela interpretação dos envolvidos. Não existe “ruído” porque não existe um significado 100% fixo para o que dizemos.

“Não existe como assegurar o sentido [da mensagem]. O sentido, na verdade, é um efeito. O sentido é um efeito que deve ser negociado. Obviamente que existem sentidos hegemônicos que vão circular de maneira muito mais eficiente, mas ele nunca está garantido ou dado a priori, ele precisa ser reforçado”.

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Entender por escrito é mais difícil do que cara a cara

Carol continua:

“Não existe como a mensagem dar errado. O que existe é o sentido se concluir dentro das condições e das contingências nas quais ele acontece. Não existe mensagem errada ou certa, isso seria um aparato muito funcionalista. É mais interessante pensar em quais seriam as negociações necessárias para o sentido acontecer”.

Na prática, isso quer dizer que uma palavra pode significar algo para mim, mas outra para você. Para mim, poder ser uma piada, por exemplo, mas para você pode ser uma ofensa. Nesse dia, eu terminei minha conversa com Carol dizendo “sua comunista!”. Era uma brincadeira que tinha a ver com o que a gente estava discutindo. Mas imagina se eu falo isso “do nada”? Poderia ter soado estranho para ela.

O problema de certas expressões ou termos terem sentidos diferentes para cada pessoa fica ainda mais complicado quando vamos para a linguagem escrita. Ou para o WhatsApp. Sem a interação pessoal, como vou saber se a pessoa está brincando ou falando sério?

Dia desses, eu estava trocando mensagens com uma cliente e ela sugeriu que eu escrevesse sobre determinado assunto. Acontece que eu já estava fazendo um texto sobre aquele mesmo tema. Para expressar a minha alegria com a coincidência eu mandei uma mensagem dizendo:

“Estou escrevendo exatamente isso!”

E ela me respondeu:

“Se eu não te conhecesse eu ia achar que você estava brigando comigo”.

Veja só que coisa! Eu queria dizer:

“Que coincidência incrível que a sugestão que você me deu é exatamente o que eu já estava fazendo. Não é maravilhoso que pensamos a mesma coisa ao mesmo tempo? Eu concordo muito com o que você disse, tanto que já havia escrito a mesma coisa. Nossa sincronia está afinadíssima, que bom que estamos trabalhando juntas”.

Só que o que eu havia escrito era só uma frase seca com uma exclamação no final. Nada no texto em si poderia indicar sua vocação para o bem ou para o mal. A minha mensagem, isoladamente, poderia significar:

“Eu já fiz o que você pediu. Não precisa me dizer o que fazer. Aliás, sua sugestão é totalmente inútil porque o que você acabou de falar é exa-ta-men-te o que eu já estou fazendo”.

Não é incrível?

O WhatsApp é terreno fértil para desentendimentos

Carol explica esse fenômeno:

“Se você pensa um aplicativo como um texto que está nessa cultura digital, você pode pensar que, sim, as pessoas que vão ler o texto fazem uso de um repertório e de um vocabulário muito mais disperso do que a ideia de que o emissor controla. Talvez nas comunicações de massa isso fizesse sentido porque você tinha poucos emissores e vários receptores juntos assistindo à tv ou ouvindo rádio. Mas, quando você elimina essas mediações, como é o exemplo da comunicação em rede, você não precisa que o emissor esteja no mesmo momento dos receptores, você não tem como controlar o sentido”.

“Um exemplo são os textos no Whatsapp. A gente vai precisar conhecer muito ou estar muito presente na enunciativa para ter certeza absoluta do tom que aquelas palavras representam no diálogo. Por isso, é muito comum se desentender na internet. Porque eu não estou junto com o meu emissor para inferir sobre alguma ironia, para inferir sobre algum duplo sentido. É por isso que se tem tanto desentendimento, tanta treta”.

Como resolver o problema?

Não tem jeito. Nunca aquilo que está dentro da sua cabeça será 100% igual àquilo que está na mente de outra pessoa. O risco de desentendimento não pode ser eliminado por completo. O que podemos fazer é estabelecer acordos, aproximações.

Existe sim, formas de facilitar a compreensão do outro. Se você estiver trocando mensagens de texto com alguém que você não conhece muito bem ainda, tente ser o mais claro possível, explique suas ideias sem piadas, sem “modo de dizer”, sem exageros. Minha amiga Karlilian brinca, “se você coloca uma carinha sorrindo, melhora”. Na dúvida, pergunte. Esses dia, recebi a seguinte indagação pelo WhatsApp: “Como estou numa correria, queria saber se posso encaminhar as dúvidas e considerações por aqui mesmo, por áudio. Soa descortês para você?”. Não foi o máximo? Eu adorei.

Karlilian Magalhães é jornalista e trabalha na Assessoria de Comunicação da Fundação Mamíferos Aquáticos. Ela está sempre viajando pela costa do Nordeste fazendo o que mais ama, trabalhando pela proteção da natureza.

Carolina Falcão é jornalista e doutoranda em comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco. Ela apoia e luta pela universidade pública, gratuita e de qualidade.

(Fotos: Igor Starkov e Andrew Le no Unsplash)

4 respostas para “Por que nos metemos em tanta treta pelo WhatsApp?”

  1. Desse jeito! E pelo visto, sem jeito rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs Salvem os emojis!

    1. Não é? Só com muita "carinha" mesmo! Eu amei a conversa com Carol para me lembrar que, às vezes, a conversa pessoalmente é insubstituível. E também para ficar ligada de não me chatear de cara quando receber alguma mensagem "chata" no whatsapp.

  2. Desse jeito! E pelo visto, sem jeito rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs Salvem os emojis!

    1. Não é? Só com muita "carinha" mesmo! Eu amei a conversa com Carol para me lembrar que, às vezes, a conversa pessoalmente é insubstituível. E também para ficar ligada de não me chatear de cara quando receber alguma mensagem "chata" no whatsapp.

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