Um dos piores empecilhos para a comunicação entre duas pessoas acontece quando uma invalida a experiência ou a fala da outra. É a síndrome do “aqui está funcionando”. Sabe quando nós ligávamos para o suporte de algum serviço para dizer que tínhamos encontrado algum problema e o(a) atendente do outro lado da linha simplesmente falava que não via nada de errado? Às vezes fazemos exatamente isso com outras pessoas.

Se o “aqui está funcionando” já é irritante o suficiente, ter suas experiências invalidadas em contextos de amizade, de família ou de outros relacionamentos mais próximos é ainda mais doloroso.

Vou começar com um exemplo mais light.

“Não estou vendo problema nenhum. Aqui está funcionando normalmente”

“Não estou vendo problema nenhum. Aqui está funcionando normalmente”

Talvez não esteja funcionando para o outro

Na última semana, todos ao meu redor tiveram que me ouvir reclamar incansavelmente sobre a Celpe, a companhia de energia elétrica de Pernambuco. Eu estou me mudando e preciso ligar a luz no apartamento novo. Acontece que eu não consigo. O site da Celpe dá problema, o aplicativo também, o mesmo com o chat, o twitter, o 0800. Tentei de tudo.

Liguei para a funcionária muito simpática e solícita da construtora para pegar um dado que talvez ajudasse. Ela, de forma muito simples e também muito irritante, disse que o processo para ligar a energia era suuuuper fácil, era só fazer isso e aquilo, que eu não precisa do tal dado, que era tranquiiiiiilo demais. Dá para imaginar a raiva que eu senti, né?

Ela queria ajudar, claro. Acalmar-me, talvez. Mas ela invalidou a minha experiência logo de cara. Eu havia passado uma semana tentando. Na hora que ela diz que é muito simples, ela está desconsiderando toda dificuldade que eu tive. É como se o trabalho, o estresse, e a energia que eu estou usando para resolver esse problema simplesmente não existissem para ela. 

Também parece que ela está me chamando de idiota.

“Não entendo sua dificuldade. É tudo tão simples”

“Não entendo sua dificuldade. É tudo tão simples”

Mesmo que não faça sentido para você, tem lógica para outra pessoa

Aprendi, na marra, que tudo tem lógica para outra pessoa. Todo e qualquer comportamento extremamente sem sentido que observamos nos outros, tem lógica. Não a sua lógica, claro. Mas alguma lógica.

Dia desses, ouvi o relato de alguém na família que teria agido de forma “totalmente irracional”. Eu tinha um bom ponto de vista da história e sabia muito bem a racionalidade da pessoa em questão. Como o outro não tinha o mesmo conhecimento que eu, tive que intervir com uma proposta de diálogo. E um pedido de paz. Não dá para entender alguém se partirmos do pressuposto que o outro “não faz sentido”

Novamente, por favor, não invalide a experiência do outro. 

Quantas pequenas coisinhas não significam nada para nós, mas chateiam outra pessoa? Eu tenho vários exemplos e aposto que você tem também. Isso não quer dizer que o que é diferente do meu “certo” esteja, automaticamente, “errado”. Às vezes, existem diferentes formas de ver a mesma coisa. A melhor banda do mundo para mim, soa muito esquisita para a minha mãe kkkkk O final de semana perfeito para minha amiga que ama surfar seria a maior roubada para mim que não vou à praia há anos. A solicitação à Celpe pode ser muito simples quando o site funciona e incrivelmente complicada quando a página trava. 

O limite da tolerância

Sim, eu sei que essa conversinha melosa de “entender o ponto de vista do outro” tem suas limitações. Como mulher, entendo demais a necessidade de impor nossa opinião e nosso espaço de vez em quando. Entretanto, acho que podemos ter um pouco mais de empatia na hora de enxergar a experiência de alguém próximo, de quem gostamos.

Quando um mal educado fura a fila na sua frente, a solução é apenas reclamar, pedir para ele ir para o fim da linha, e tentar relevar a chateação para não passar o dia todo remoendo o abuso. Eu não tenho nenhum interesse em manter um relacionamento saudável com o furador de filas. Quando a atitude que nos aborreceu vem de alguém importante para nós, a solução é outra. Precisamos entender a lógica. 

Então, da próxima vez que você tiver um desentendimento com alguém querido, respire fundo e lembre que mesmo que você não esteja vendo nada de errado, a página pode estar travando para outra pessoa.

(Imagens: Fré Sonneveld, israel palacio e Erik Mclean no Unsplash)

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